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sábado, 20 de fevereiro de 2016

ANTONIO FRANCISCO "Aquela Dose de Amor"

Depois de tempos sem escrever, deparei me hoje 20 de fevereiro 2016 com o cordel "Aquela Dose de Amor" do celebre poeta Antonio Francisco. Ao sentar-me para ler meio sem querer, mas, de coração aberto para receber essa linda poesia que me encantou e, por isso, posto aqui para todos poderem ler.

E ler Antonio Francisco é muito prazeroso, pois, a medida que o cordel vai criando corpo, o leitor vai seguindo os meus passos do criador tecendo em sua imaginação a "estória" ou "história", como queira entender, de um cenário nordestino massacrado pelo sol e de um narrador que traça um acontecimento vivido por ele comprovado no trecho "Quando vi uma juriti Bebendo numa vertente. Atirei, ela voou.Mas foi cair lá na frente". para iniciar sua poesia.  Cena que leva-o a travar um diálogo com um velho, sobre o motivo da falta de amor do ser humano " É normal Esse orgulho do senhor E todo esse egoísmo Que tem no interior.É porque falta no peito Aquela dose de amor" , assim,  a poesia de cordel nos leva querer saber o que acontecerá ao fim.

Ótimo indicação de leitura.

Um certo dia eu estava
Ao redor da minha aldeia
Atirando nas rolinhas,
Caçando rastros na areia,
Atrás de me divertir
Brincando com a vida alheia.

Eu andava mais na sombra
Devido ao sol muito quente,
Quando vi uma juriti
Bebendo numa vertente.
Atirei, ela voou.
Mas foi cair lá na frente.

Carreguei a espingarda,
Saí olhando pro chão,
Procurando a juriti
Nos troncos do algodão,
Quando surgiu um velhinho
Com um taco de pão na mão.

O velho disse: - “Senhor,
Não quero lhe ofender,
Mas se está com tanta fome
E não tem o que comer,
Mate a fome com este pão,
Deixe este pássaro viver.”

Eu disse: - Muito obrigado,
Pode guardar o seu pão...
Eu gasto mais do que isso
Com a minha munição.
Eu mato só por prazer,
Eu caço por diversão.

O velho disse: -“É normal
Esse orgulho do senhor
E todo esse egoísmo
Que tem no interior.
É porque falta no peito
Aquela dose de amor.

Se eu tivesse botado
Ela no seu coração,
Você jamais mataria
Um pardal sem precisão,
Nem dava um tiro num pato
Apenas por diversão.”

Eu fiquei muito confuso
Com as frases do ancião.
Aquelas suas palavras
Tocaram meu coração
Derrubando meu orgulho
E a vaidade no chão.

Me vali da humildade
E disse: - Perdão, senhor,
Desculpe a minha arrogância,
Mas lhe peço um favor,
Que me conte essa história
Sobre essa dose de amor.

O velho disse: - “Pois não.
Vou explicar ao senhor
Porque mesmo sem querer
Sou o maior causador
De hoje em dia o ser humano
Ser tão carente de amor.

Isso tudo aconteceu
Há muitos séculos atrás
Quando meu Pai fez o mundo
Terra, mares, vegetais.
Me pediu pra lhe ajudar
No último dos animais.

Pai me disse: - ‘Filho, eu fiz
Da formiga ao pelicano;
Botei veneno na cobra,
Bico grande no tucano,
Agora estou terminando
Este animal ser humano.

Mas ficou meio sem graça
Este animal predador...
O couro não deu pra nada,
A carne não tem sabor,
Na cabeça tem juízo,
Mas, no peito, pouco amor.

Por isso que eu lhe chamei
Pra você lhe consertar,
Botar mais amor no peito,
Lhe ensinar a amar
E tirar dessa cabeça
O desejo de matar’.

Depois disse: - ‘Filho, vá
Amanhã lá no quintal,
No casa dos sentimentos,
Perto do pote do mal...
Traga a dose de amor
E bote nesse animal’.

De manhã eu fui buscar
Aquela dose sozinho,
Mas na volta me entreti
Brincando com um passarinho
Perdi a dose do amor
Numa curva do caminho.

Quando eu notei que perdi,
Voltei correndo pra trás,
Procurei em todo canto,
Mas cadê eu achar mais.
Aí eu fiz a loucura
Que toda criança faz.

Voltei, peguei outra dose
Igualzinha a do amor,
O vidro da mesma altura,
O rótulo da mesma cor...
Cheguei em casa e botei
No peito do predador.

Mas logo no outro dia
Meu pai sem querer deu fé
Do animal ser humano
Chutando o sapo com o pé
E no outro ele mangando
Dos olhos do caboré.

Vendo aquilo pai chorou,
Ficou triste, passou mal,
Me chamou e disse: - ‘Filho,
O bicho não tá normal.
O que foi que você fez
No peito desse animal?’

Quando eu contei a verdade
De tudo aquilo que eu fiz
Pai disse tremendo a voz:
- ‘Eu sei que você não quis,
Mas você botou foi ódio
No peito desse infeliz.

Esse bicho inteligente
Com esse ódio profundo,
Com pouco amor nesse peito
Não vai parar um segundo
Enquanto não destruir
A última célula do mundo.

Depois daquelas palavras,
Chorei como um santo chora.
Quando foi à meia-noite
Eu saí de porta afora
E nunca mais eu pisei
Na casa que meu pai mora.

Daquele dia pra cá
É esta a minha pisada,
Procurando aquela dose
Em todo canto da estrada,
Pois, sem ela, o ser humano
Pra meu pai não vale nada.

Sem ela, vocês humanos
Não sabem dar sem pedir,
Viver sem hipocrisia,
Ficar por trás sem trair
Nem distante do poder
Nem discursar sem mentir.

Sem ela, vocês trucidam
E batizam os crimes seus.
Na era medieval
Queimaram bruxas e ateus
E perseguiram os hereges
Usando o nome de Deus.

Sem ela, foram pra África
E fizeram a escravidão...
Com os grilhões do preconceito
Escravizaram o irmão
Com a espada na cintura
E uma bíblia na mão’.

O velho disse: - “Perdoe
Ter tomado o tempo seu.
Consertar vocês, humanos,
É um problema só meu.”
Aí o velho sumiu
Do jeito que apareceu.

E eu fiquei ali em pé
Coçando o queixo com a mão,
Pensando se era verdade
As frases do ancião
Ou se era tudo fruto
Da minha imaginação.

E naquele mesmo instante
Vi passando na estrada
A juriti que eu chumbei
Com uma asa quebrada,
Mas não tive mais coragem
De atirar na coitada.

Joguei fora a espingarda,
Voltei olhando pro chão
Procurando aquela dose
Nos troncos do algodão
Pra guardá-la com carinho
Dentro do meu coração.

Se acaso algum de vocês
Tiver a felicidade
De encontrar aquela dose,
Eu peço por caridade
Derrame todo o sabor
Daquela dose de amor
No peito da humanidade.

Do livro "Dez Cordéis em um Só" ed. Queima Bucha. 

quinta-feira, 14 de fevereiro de 2013

QUEM FOI CORA CORALINA



Cora Coralina foi uma poetisa e contista brasileira, com o pseudônimo de Ana Lins dos Guimarães Peixoto Bretas, (Cidade de Goiás, 20 de agosto de 1889 — Goiânia, 10 de abril de 1985) doceira de profissão.

Seu trabalho literário focava o cotidiano do interior brasileiro, principalmente as ruas de Goiás onde nascera.
Cora Coralina teve seu primeiro livro publicado em junho de 1965 Poemas dos Becos de Goiás e Estórias Mais, quando já tinha quase 76 anos de idade.


CORA CORALINA


ANINHA E SUAS PEDRAS

Não te deixes destruir...
Ajuntando novas pedras
e construindo novos poemas.
Recria tua vida, sempre, sempre.
Remove pedras e planta roseiras e faz doces. Recomeça.
Faz de tua vida mesquinha
um poema.
E viverás no coração dos jovens
e na memória das gerações que hão de vir.
Esta fonte é para uso de todos os sedentos.
Toma a tua parte.
Vem a estas páginas
e não entraves seu uso
aos que têm sede.

Cora Coralina  (Outubro, 1981)

sábado, 21 de janeiro de 2012

POETA RAIMUNDO LEONTINO


Duarante o curso de graduação tive o imenso prazer de conhecer e ter como professor e orientador o poeta, Raimundo Leontino Leite Godim Filho, natural da cidade de Aracati-Ce, e professor da Universidade Estadual do Rio Grande do Norte - UERN.

Poeta de minha grande estima, pois, o seu amor pela literatura, me aproximou dessa arte maravilhosa, que hoje é uma das minhas grandes paixões.

Raimundo Leontino já públicou alguns trabalhos poéticos, são eles: Amor – uma palavra de consolo(1982), Imagens (1984), Cidade íntima (1987), Entressafras (1988) em parceria com o poeta potiguar Gustavo Luz , Sagrações ao meio (1993).

E para apreciação segue um poema que adoro, li-o como já diz Cora Caroline " como a olhar por uma janela", em relação a um crítico, que vê só aquele ângulo; o meu ângulo de leitura, mas, que diversificará o sentido a partir de quem o lê. Não o descreverei para que você também possa se enveredar na leitura do poema.
Partida inteira


Minha alma cega
enxerga o teu corpo
rasgando
os sóis nus da madrugada


Minha alma louca
persegue os teus olhos
incendiando
as luas tortas da noite


Minha alma vã
colhe o teu cheiro
mergulhando
nos ventos doídos da tarde


Minha alma vai
sem pressa
ao encontro
da perdição:
um corpo só corpo
sem alma
a minha